Rodoanel na RMBH: ilegalidades e violências. Por frei Gilvander Moreira[1]
Em contexto de emergência climática com
eventos extremos cada vez mais frequentes e letais, a realidade de uma
sociedade capitalista como a nossa, com seus conflitos e contradições, pode ser
iluminada por textos sagrados, como a Bíblia, que, se lida a partir da classe
trabalhadora injustiçada, pode nos inspirar a assumir posturas de combate às
injustiças atuais que se reproduzem cotidianamente. Uma parábola do Evangelho
de Lucas narra: “Havia em uma cidade um juiz que não temia a Deus e não tinha
consideração para com as pessoas (injustiçadas). Nessa mesma cidade, existia
uma viúva que vinha a ele, dizendo: ‘Faz-me justiça contra o meu adversário!’”
Pergunta o Evangelho: “Deus não faria justiça a seus eleitos que clamam a ele
dia e noite?” (Lc 18,2-3.7). Essa parábola está acontecendo também nos últimos
três anos em Minas Gerais com o desgovernador Zema insistindo em empurrar goela
abaixo uma obra faraônica, ecocida, hidrocida, cavalo de troia, dragão do
Apocalipse, que é o projeto do Rodoanel na Região Metropolitana de Belo
Horizonte (RMBH), que se for construído, será na prática um RODOMINÉRIO, infraestrutura
para a mineradora Vale S/A e outras mineradoras subalternas a ela continuarem
ampliando mineração em Belo Horizonte e RMBH, o que é insuportável. Já passou
da hora de termos Mineração Zero na capital mineira e RMBH, após 300 anos de
devastação socioambiental apunhalando as montanhas e arrancando das suas
entranhas minério, jogando-o no “trem da morte” ou nos minerodutos das
mineradoras todos os dias, levando para os portos do Espírito Santo e do Rio de
Janeiro, deixando um rastro de devastação inominável nos territórios vítimas da
exploração minerária. Já são 170 bilhões de reais de prejuízo ao erário público
mineiro o valor que as mineradoras deixaram de pagar de ICMS, por causa da Lei
Kandir, agora incorporada na Constituição através da “reforma tributária”, que
dispensa o pagamento de ICMS sobre as commodities para exportação. Commodities
são mercadorias primárias, entre as quais está o minério.
Em quase três anos de luta contra este
famigerado Rodoanel, já fizemos dezenas de Atos Públicos, Marchas, panfletagem,
audiências públicas, giros com carro de som em dezenas de bairros denunciando
as ilegalidades, as injustiças e as violências socioambientais que esta
megaobra absurda e desnecessária trará aos povos e a toda a biodiversidade de
Belo Horizonte e da RMBH. Dia 20 de agosto de 2023 realizamos mais uma Marcha
contra o Rodoanel/RODOMINÉRIO na RMBH, a 2ª Marcha no bairro Nascentes
Imperiais, em Contagem, MG. Lideranças populares de dezenas de Movimentos Sociais
e de partidos políticos de esquerda participaram, sob coordenação da Comissão
de Nascentes. Ecoaram alto e em bom som as denúncias necessárias contra o
Rodominério. Como a viúva do evangelho que não se cansou de ir todos os dias ao
tribunal e cobrar insistentemente justiça, não repousaremos em paz até
conquistarmos o impedimento do Rodoanel/RODOMINÉRIO na RMBH.
Nós do Movimento Social “Somos Todos
Contra o Rodoanel na RMBH” criticamos de forma contundente a construção do
Rodoanel na RMBH e temos propostas alternativas para resolver de forma justa,
ética e democrática os problemas de trânsito e de mobilidade em Belo Horizonte
e RMBH. Para impedir a agudização das injustiças socioambientais, econômicas e
políticas reinantes em Belo Horizonte e RMBH propomos quatro alternativas à
construção do Rodoanel: 1) Ampliação do Metrô de Belo Horizonte para as várias
cidades da RMBH, que volte a ser público e com tarifa a mais barata possível; 2)
Resgate do transporte de passageiros/as através de trens entre as 34 cidades da
RMBH e Belo Horizonte, realidade que existia até por volta da década de 1970.
Existem estudos avançados inclusive no âmbito da própria Secretaria de Estado
de Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA) do Governo de Minas Gerais e na
Comissão de Ferrovias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que corroboram
estas alternativas; 3) Melhoria do transporte público de ônibus em Belo
Horizonte e RMBH; 4) Revitalização, ampliação e duplicação do Anel Rodoviário
de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente e será muito menos oneroso e não
trará as brutais violações aos direitos socioambientais, históricos e
arqueológicos de Belo Horizonte e 13 municípios da RMBH. Sobre esse ponto,
deve-se observar que o anteprojeto detalhado de reforma do Anel Rodoviário foi
realizado pelo Governo de Minas Gerais e está pronto desde 2016, tendo sido
realizado pela empresa Tectran, do grupo Systra. Esse anteprojeto foi total e
injustificadamente desconsiderado pelo desgovernador Zema, que optou pelo
nocivo projeto do Rodoanel.
Todas essas propostas, por óbvio, devem
ser submetidas à Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-fé de
Povos e Comunidades Tradicionais que sejam impactadas por elas, conforme
prescreve o Tratado Internacional Convenção 169 da OIT[2] da ONU[3].
A apresentação de propostas alternativas cumpre o propósito de demonstrar que
existem caminhos menos danosos ao meio ambiente, às pessoas e ao patrimônio
histórico e cultural da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que devem ser
estudados e divulgados antes da implantação do Rodoanel, grande obra que
somente irá beneficiar as mineradoras.
O projeto do Rodoanel está eivado de
ilegalidades, injustiças e violências socioambientais e econômicas. Eis algumas
delas: a) O desgovernador Zema fez leilão do projeto do Rodoanel na Bolsa de
Valores de São Paulo, B3, sem discutir o projeto com o povo, sem participação
popular, pois as “audiências públicas” realizadas durante a pandemia da
covid-19, a toque de caixa, foram farsas de audiências públicas. O princípio da
participação popular foi violado; b) O leilão e a assinatura do contrato com
uma empresa multinacional italiana, a INC S.P.A., ligada à extrema direita
na Itália, foram feitos SEM Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de
Boa-Fé aos Povos e Comunidades Tradicionais, conforme prescreve o Tratado
Internacional da Convenção 169 da OIT da ONU. Nos 13 municípios da RMBH que
estão na mira para serem rasgados brutalmente pelo Rodoanel existem dezenas de
Comunidades Quilombolas e dezenas de outras Comunidades Tradicionais, tais como:
carroceiros, ciganos, agricultores familiares, povos de terreiros etc.; c) Não
foi feito o licenciamento ambiental antes do leilão e da assinatura do
contrato. Isto ao arrepio de leis que exigem que primeiro deve-se fazer o
licenciamento ambiental, antes de se fazer leilão e assinar contrato. E se o
licenciamento ambiental com os necessários estudos de impactos ambientais demonstrar
que é inviável a construção do Rodoanel? Em cláusula leonina do contrato para
caso de necessidade de romper o contrato, o Governo de Minas Gerais garante
pagar uma multa de cinco bilhões de reais, o que, segundo juristas, fere a Lei
de Responsabilidade Fiscal; d) E os direitos das mais de 15 mil famílias que
serão desapropriadas e terão suas casas demolidas recebendo uma indenização que
não cobrirá mais do que 30% do valor justo pelo terreno e construções? Sendo
mais de 95% das propriedades sem escritura e sem registro de propriedade, mas
só com “Contrato de Compra e Venda”, a indenização será menor e mais injusta
ainda. Isso agravará brutalmente a injustiça urbana e metropolitana na RMBH,
porque aumentará muito o déficit habitacional, o que eleva a desigualdade
social de forma violenta; e) E a brutal devastação de muitos mananciais, áreas
de proteção ambiental, sítios históricos e arqueológicos e as dezenas de
Comunidades Quilombolas, centenas de Terreiros, outros Povos Tradicionais da
RMBH e milhares de famílias de agricultores familiares que há mais de cem anos
produzem alimento no chamado “cinturão verde” da RMBH? A Comunidade Quilombola
de Pinhões e o Cemitério dos Negros escravizados serão rasgados ao meio; f) O
Rodoanel não será uma estrada pública, será pedagiada com pedágio mais caro do
Brasil, o que proibirá o povo pobre de passar por ela.
Suspeitamos que atualização do Plano
Diretor da RMBH está sendo feita agora, a mando do Zema, para se gerar uma
pretensa segurança jurídica. É previsível que nos 13 municípios que serão
rasgados brutalmente pelo Rodoanel um grande número de ações judiciais serão
impetradas no poder judiciário para impedir tantos crimes anunciados.
Enfim, se o Rodoanel for construído na RMBH, teremos um crime mil vezes mais greve do que o sepultamento de 272 pessoas vivas pela mineradora Vale S/A em Brumadinho dia 25 de janeiro de 2019, às 12H28. E continuaremos marchando rumo ao abismo de desertificação da RMBH, conurbação desenfreada, extinção de muitos mananciais necessários para o abastecimento público. Fome e sede imperarão na RMBH! Estamos avisando. Feliz quem ouvir este aviso e se engajar na luta popular para barrarmos o Rodominério antes que seja tarde.
22/08/2023.
Obs.: As videorreportagens nos
links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - 1a parte da 2a Marcha contra Rodoanel na RMBH
no Nascentes Imperiais, Contagem/MG: "RODOANEL, NÃO!"
2 - Frei
Gilvander: Ilegalidades e violências do Rodoanel. 2ª Marcha no Nascentes
Imperiais, Contagem/MG
3 - 2a
Marcha contra o Rodoanel na RMBH, no Nascentes/Contagem/MG: Zema c Rodoanel
faraônico e brutal
4 - Frei Gilvander: “Plano Diretor da RMBH deve excluir Rodoanel,
garantir preservação ambiental”. Víd 2
5 -
Audiência Pública Plano Diretor da RMBH (PDDI). “Rodoanel vai demolir mais de
15 mil casas na RMBH!”
6 - José
Carlos, Cassimiro, Tarcísio e Antonio do Pomar BH: injustiças do Rodoanel,
RODOMINÉRIO na RMBH
7 - Keity
e Glaucon denunciam as brutalidades do Rodoanel, RODOMINÉRIO na RMBH. Fora,
Rodoanel! Vídeo 7
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma,
Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas;
prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo
Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com
, www.brasildefatomg.com.br
, www.revistaconsciencia.com
, www.racismoambiental.net.br
e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com
– www.gilvander.org.br
– www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira
III
[2] Organização Internacional do
Trabalho.
[3] Organização das Nações Unidas.
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