Umbanda, religião que prega o amor, a paz, a fraternidade e o respeito. Por frei Gilvander Moreira[1]
Cartazes em uma praça de Ibirité, MG, onde aconteceu sessão (gira) de Umbanda, dia 15/11/23. Foto: Alenice BaetaNo dia
20 de novembro de 2023, Dia da Consciência Negra, dia do martírio de Zumbi, em
1695, líder do Quilombo de Palmares, dia de reforçarmos as lutas justas e
necessárias para superarmos as relações sociais escravocratas com acesso à
terra, à moradia digna, à educação emancipatória, à saúde pública de qualidade,
à cultura libertadora, com protagonismo do povo negro, em lutas que superem o
racismo estrutural e institucional incrustado no capitalismo, ciente de que
dentro do capitalismo é impossível se superar o racismo e o colonialismo,
marchemos para a construção de uma sociedade socialista com as especificidades
brasileiras. No dia de hoje dedico um tributo ao Povo Negro, especialmente ao
povo da Umbanda que se congrega em uma grande pluralidade.
Dia 15
de novembro de 2023, parece que conduzido pelos bons espíritos, tive a alegria
de assistir a uma sessão (gira) de Umbanda em uma das praças da cidade de
Ibirité, na região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Ao passar pela praça,
me chamou a atenção a presença de um grupo vestido de branco, as mulheres com
vestido rodado e uns cartazes que diziam: “Dia
15 de novembro é Dia Nacional da Umbanda”. Outro cartaz dizia: “A roupa branca que você gosta de vestir na
virada do ano é da religião que você oprime o ano inteiro”. Outro cartaz
dizia: “Não precisamos de Dia da
consciência negra, branca, parda ou albina, mas de 365 dias de consciência
humana. Viva a Umbanda!”. “A Umbanda
é uma religião que abre suas portas para todos sem julgamento, apenas acolhe
com amor, fraternidade e respeito”. “Intolerância
religiosa é crime”, dizia outro cartaz, da Tenda Estrela da Guia, do Caboclo
Rompe Mato. Faz parte de uma importante e
complexa categoria de Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Ancestral Africana,
os “Povos de Terreiro”, compostos pelos segmentos do Candomblé das nações de
Ketu, Angola e Jeje, Angola-Muxikongo, de Umbanda e Omolocô de diferentes
linhas e por Reinados nas mais diversas linhagens, dentre outros.
Rubens,
um dos umbandistas que coordenava os trabalhos, me disse que apenas nos últimos
anos eles estão podendo celebrar na praça, pois durante várias décadas tiveram
que celebrar escondido para não serem perseguidos. O Rubens me acolheu e disse
que eu poderia ficar à vontade, inclusive filmar, se eu quisesse. Acabei
filmando quase 90 minutos a sessão de Umbanda na praça pública, com atabaques e
cantorias que cantam a libertação do povo negro escravizado e a bênção dos
ancestrais. Rezaram algumas vezes Pai Nosso e Ave Maria. Fizeram sinal da cruz
e preces inclusive a Nossa Senhora do Rosário. Estiveram presentes no ritual
integrantes da Guarda de Moçambique de Ibirité. Algumas pessoas, fumando cachimbo,
incorporaram Caboclo Velho, que ofereceu passe a quem quis. Com um defumador
todas as pessoas foram incensadas. Vinho e outra bebida foram partilhados e no
final uma canjica foi partilhada com todas as pessoas presentes. Enfim, saí de
lá me sentindo abençoado por outra religião e me perguntando: Por que pessoas
que se dizem cristãs, sejam católicas ou (neo)pentecostais perseguem os Povos
de Terreiro? Vi que existem muitas semelhanças entre a celebração na Umbanda e
as celebrações que se fazem nas igrejas cristãs: cantos, orações, bênçãos,
partilha etc. Mesmo que fossem totalmente distintas as formas de celebração e
de rituais, não há motivo para discriminação e muito menos perseguição, pois os
Povos de Terreiro pregam o amor, a paz,
a fraternidade e o respeito. Além do mais, o Brasil é um país laico, ou seja,
está garantido na Constituição Federal de 1988 a liberdade de credo de todas as
religiões e igrejas, bem como a alteridade cultural. O Brasil não é um país
confessional, de uma única religião, o que seria ditadura religiosa. O que é tipificado
como crime é a intolerância religiosa. Sei que o preconceito é fruto de
desconhecimento e falta de informação correta e histórica. Não há como amar o
que se desconhece.
O
biblista e teólogo da Teologia da Libertação Marcelo Barros nos recorda que “o
termo Umbanda vem do idioma quimbunda de Angola e significa “arte de curar”, ou
hoje podemos traduzir por “arte de cuidar”, o que liga a fé e a espiritualidade
ao cuidado uns dos outros/umas das outras, assim como cuidado da mãe-Terra e da
natureza. Assim como em sua sociedade Jesus valorizou os samaritanos, cultural
e espiritualmente, reconhecemos nas comunidades de Umbanda essas comunidades
samaritanas que têm ajudado as pessoas negras e pobres a salvaguardar a
consciência de sua dignidade humana e a necessária e salutar cultura
comunitária da qual a nossa sociedade precisa tanto.
Dia 15 de novembro deste ano de 2023,
celebramos o aniversário de 115 anos da criação da Umbanda, uma religião
propriamente brasileira. No dia 15 de novembro de 1908, em São Gonçalo,
periferia do Rio de Janeiro, o médium Zélio Fernandino de Moraes fundou a
Umbanda, que se baseia em três conceitos fundamentais: Luz, Caridade e Amor. O
termo “Umbanda” vem de Angola e quer dizer “arte de curar”. A Umbanda sintetiza
elementos do Candomblé banto, do Espiritismo kardecista e do Catolicismo
popular.
Infelizmente, até hoje, há grupos
cristãos fundamentalistas que combatem e perseguem as religiões afrodescendentes.
É mais triste ainda constatar que fazem isso em nome de Jesus. Conforme o Evangelho,
Jesus afirmou que pelos frutos se conhece a árvore. No Brasil e em todo o
continente, os frutos das religiões negras têm sido preservar as culturas
originárias, manter a unidade das comunidades e, em nossos dias, testemunhar a
toda a humanidade uma espiritualidade que liga o amor social ao cuidado
afetuoso com a mãe-Terra e toda a natureza.
No
passado e até hoje, a Umbanda e as outras religiões indígenas e negras foram
discriminadas, condenadas e mesmo perseguidas pela nossa Igreja e, hoje ainda,
por grupos católicos fundamentalistas e (neo)pentecostais. Por isso, temos uma
dívida moral com a Umbanda e as espiritualidades de matriz afro e podemos, em
nome de Jesus, afirmar em bom e alto sim: Viva a Umbanda!”
Filmei
e pus no youtube no Canal “Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos” quase
90 minutos da sessão de Umbanda que assisti, para quem quiser assistir e
conhecer um pouco da beleza ética e espiritual da Umbanda e dos demais Povos de
Terreiro.
Sejamos
construtores de paz com respeito entre as religiões, igrejas e pessoas
religiosas e não apenas tolerância. Que a luz e a força divina nos guiem sempre
inclusive no processo de libertação de preconceitos e discriminações.
Obs.: As
videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - 15/11,
Dia Nacional da Umbanda, que é Amor, Paz, Fraternidade e Respeito. Intolerância
Rel. é crime!
2
- Curta-documental O CHAMADO DA UMBANDA
3
- O Que é Umbanda – Documentário
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT,
CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e
Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III